sábado, julho 29, 2017

Heroísmo

E se o problema dos incêndios descontrolados fosse potenciado por um excesso de voluntarismo heróico por parte de bombeiros nem sempre bem preparados para o combate? E se os nossos heróis fossem demasiado corajosos e pouco cerebrais?

Esta possibilidade é terrível. Levantá-la é uma atitude arriscada. Eu posso fazê-lo aqui pois a minha voz dificilmente chegará ao Céu, mas que essa hipótese tem fundamento, lá isso tem.

Temos muitos bombeiros voluntários, problemas na coordenação de acção de combate a incêndios e o país vai ardendo. E arde (percentualmente) mais que os outros países europeus. Somos o Inferno na Europa mas temos dificuldade em debater a proveniência do Diabo que preside a esta devastação. Porque arde mais Portugal do que arde Espanha, do que arde França, do que ardem todos os restantes?

Haverá alguém interessado em debater este "pormenor", para lá da questão das listas de nomes das vítimas, do populismo ou não populismo, do raio que os parta? Hércules, o maior de todos os heróis, foi empurrado para o heroísmo por razões sórdidas.

segunda-feira, julho 24, 2017

Traduções

Abri duas edições diferentes de Coração das Trevas de Joseph Conrad. Li a primeira página de uma, depois a primeira página de outra. Eram tão diferentes! Não fixei os nomes dos tradutores (podiam ser tradutoras) mas uma das traduções era deselegante a outra parecia muito melhor. Qual delas seria fidedigna?

Quando pego no Moby Dick fico a olhar a capa, a pensar. Não tenho muita vontade de ler. Quem me garante que não estou a ler uma merda qualquer? Não tenho dúvidas que qualquer tradução é uma interpretação mas ter consciência disso é bastante aborrecido. Como sei que estou a ler uma boa tradução ou uma tradução manhosa?

Preciso de aprender inglês o suficiente para poder ler os originais. E aprender mais francês e mais espanhol. Não vou ler nunca autores japoneses nem chineses nem indianos nem os clássicos gregos. Claro que isto sou eu a gozar comigo próprio, nunca serei capaz de aprender aquelas línguas e daqui a uns dias já me esqueci desta experiência traumática e vou voltar a ler traduções.

Não há como escapar desta armadilha.

quarta-feira, julho 19, 2017

Um sonho

Gostava de um dia descer a rua conversando com alguns gregos mortos, um ou outro romano e, porque não, um grande pintor flamengo. Lá mais adiante havíamos de parar numa esplanada e sentar os ossos para bebermos uma imperial e continuar divagando.

Eu e os meus amigos zombies, ali, bebendo e conversando como se a morte não fosse nada ou, pelo menos, como se a morte fosse igual à vida. As coisas espantosas que havia de vê-los descobrir!

Havíamos de falar cada um na sua língua mas tudo seria perceptível e perfeitamente compreensível porque a verdade não teria obstáculos para fluir entre nós. Nem a mentira. A vida igual à morte, a verdade igual à mentira.

Risos e palmadas nas costas. 

Gostava que um dia tudo fizesse parte de uma coisa só. Só não consigo imaginar que coisa pudesse ser. Talvez possa sonhá-lo.

terça-feira, julho 18, 2017

Liberdade de expressão

Nos tempos que correm, uma opinião pessoal publicamente assumida pode ser fonte de uma enxurrada de insultos, exigências de castigo, uma tremenda dor de cabeça para quem, à partida, nada mais fez do que dizer aquilo que pensa.

Vivemos numa sociedade democrática onde a liberdade de expressão é um dos nossos bens mais preciosos. No entanto a sua utilização sem barreiras é cada vez mais um problema para quem acredita poder fazê-lo.

Há grupos significativos de cidadãos que, sempre que se confrontam com opiniões que consideram reprováveis, em vez de as rebaterem com argumentos pedem de imediato a intervenção repressiva seja dos tribunais, seja de associações de profissionais com o intuito de castigarem aquele que emitiu uma opinião com a qual não concordam. Isto parece-me lamentável.

Se vamos perseguir pessoas por delito de opinião o que resta da nossa dignidade social? 

domingo, julho 16, 2017

Indolência absoluta

Por vezes sentia-se cansado de viver consigo próprio. Apesar de se conceder largos momentos de descanso, momentos que desejava de pasmaceira absoluta (moscas a voar, vento a passar, sol a brilhar, simplicidades deste género); ainda assim era um gajo cansativo. E cansava-se.

Que raio! A mosca levava-o com ela, o vento desarranjava-lhe a pose e o sol torrava o horizonte. Cansava-se de tanto procurar o descanso.

Este texto, inútil e desprovido de sentido, era o tipo de coisa que ele seria capaz de fazer. Tédio puro, indolência absoluta.

segunda-feira, julho 10, 2017

Pequena historieta de embalar

Vendem-te armas, fazem-te promessas de amizade e dizem que te apoiam. São amigos, faz-se negócio. Depois retiram-se e deixam-te a trabalhar. Tu lutas, matas, destróis, escapas por pouco. O teu país fica em ruínas. É hora para os teus amigos regressarem. Agora vêm apresentar-te toda uma outra linha de investimento, trata-se de reconstruir aquilo que as armas destruíram. Trazem novos empresários, outras ideias para te vender. São amigos, o negócio faz-se sempre.

sexta-feira, julho 07, 2017

Reflexão preguiçosa

EUA, Coreias, Arábia Saudita, Qatar, Egipto, Venezuela, Iémen, Sudão, Líbia, Filipinas, a lista é curta, como a minha memória, um esboço deste mundo feito com traço tosco. Leio o jornal e a sensação é a de que o mundo está dentro de uma panela de pressão posta ao lume.
A temperatura sobe.

Por aqui as coisas vão rolando calmas. O festival de Teatro de Almada oferece espectáculos diários. O povo assiste, sereno e divertido, discutem-se qualidades e defeitos de encenações, cenografias, interpretações... visões artísticas do tal mundo, da tal panela de pressão.

Por vezes recordo vagamente os anos 80, a Guerra Fria, o no future, nem sequer me apetece sorrir. A espécie humana é uma ameaça constante para si própria e, no entanto, é também a sua única esperança. Deus não é para aqui chamado embora, numa certa perspectiva, faça muita falta.

segunda-feira, julho 03, 2017

Beleza?

 Anjo da Covilhã (Junho 2017)


Por vezes questiono-me: por que razão pareço possuído por um espírito obscuro e melancólico sempre que avanço de encontro a uma folha de papel com a intenção de desenhar? Não há espaço na minha arte para um passarinho, uma flor bonita, uma criança a sorrir?

Nem sempre me apetece responder a mim próprio, ainda menos em questões deste teor.

Tenho a impressão consciente de que desenho para interpretar o mundo que me rodeia e que este mundo se transmuta dentro de mim naquilo que sou e, por extensão, naquilo que penso e sinto. Será que não tenho esperança na possibilidade de existência da beleza? Será que tenho da beleza uma imagem pouco consistente com o senso comum? Que raio!?

Acho que vou experimentar mais um desenho.