quinta-feira, junho 27, 2013

Uma questão de Fé?

Vi-a hoje pela manhã. Estava numa loja de telemóveis, aguardando pacientemente a minha vez de ser atendido. Ela estava lá. Velhinha, meio curvada, bem vestida, bem calçada, bem arranjada, óculos escuros redondos. Segurava na mão esquerda uma revista. Não reparei logo mas segurava a revista com um guardanapo de papel a proteger os dedos.

O tempo continuou a passar daquele jeito que passa nesses lugares de atendimento ao público. Muito devagar, um toque sonoro a marcar um novo número. Uma coisa tediosa. A senhora continuava sentada, segurando a revista mais ou menos à altura da face. Tirara os óculos escuros e olhava a página aberta à sua frente. Murmurava qualquer coisa... ou seria impressão minha?

Passado algum tempo voltei a reparar na mulher. Estava encostada ao balcão e trocava algumas palavras pouco amigáveis com o rapaz que a atendia. Ele falava de modo ríspido, parecia alterado. A mulher não olhava para ele, continuava concentrada na revista como se esperasse que do seu olhar pudesse resultar alguma coisa de especial. Era estranho.

Voltei a distrair-me com outra coisa qualquer. Até que a senhora se afastou do balcão e começou a falar alto. Agora estava próxima de mim e pude ver que a revista estava aberta numa página que exibia uma foto do Papa João Paulo II, o santo. Era essa fotografia que a mulher fitava insistentemente. Apercebi-me de que nunca virava a página. Quase pude sentir a presença do defunto Papa.

Todas as pessoas dentro da loja tentavam ignorar a mulher e a sua santa companhia. Ela saiu para a rua. Pude vê-la através da vitrina. Estava especada no passeio a conversar com a fotografia. Passados alguns minutos regressou. Voltou a dizer qualquer coisa (as minhas dificuldades auditivas não me permitiam compreender o que ela dizia por estar um pouco distante). Dirigiu-se à máquina que distribui as senhas de atendimento e retirou uma. Voltava à carga.

Reparei que os empregados da loja não estavam particularmente preocupados nem lhe davam muita atenção. O que estava mais próximo de mim, ao notar que eu olhava a velhinha, ofereceu-me um sorriso muito suave, como quem diz "não faz mal". Compreendi que se tratava de um episódio frequente. Ao sair olhei a mulher uma última vez. Conversava com a fotografia de João Paulo II. Dizia algo e esperava uma resposta em silêncio reverencial.

Vim embora a pensar em questões de Fé. Questões de Fé e de loucura.

2 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

A fé não é loucura. Mas pode ser uma ideia fixa. E isso pode acabar em loucura.

Silvares disse...

Absolutamente.