quinta-feira, novembro 27, 2008

Utopia matinal


Ponto prévio: Pedro Rosa Mendes é um homem especial. O trabalho jornalístico que realiza por esse mundo fora e, particularmente, no mundo que fala a nossa língua, é único. Ler Baía dos Tigres é uma experiência literária e narrativa excepcional.

Há dois dias atrás saiu no Público um artigo de Pedro Rosa Mendes sobre a actual situação de Timor que deixou muita gente perplexa (ou nem por isso). Rosa Mendes descreve um país sem identidade nem escrúpulos nem lei nem nada que o possa unir e sustentar. Uma espécie de Portugal parado no tempo e no espaço geográfico errado, onde "todos mandam e ninguém obedece" e os níveis de corrupção fazem corar de vergonha a Camorra napolitana.

Xanana Gusmão, de visita a Portugal, veio diplomaticamente dizer que respeita o trabalho do jornalista mas que Timor é governável. Disse ainda que aquele povo fragmentado, miserável e sedento nem sabe de quê, que Rosa Mendes descreve no artigo, é capaz de se governar governando a sua parte da ilha.

Lendo as suas declarações noto que as provas de capacidade de autogovernação e os motivos de esperança num futuro melhor se baseiam fundamentalmente numa aposta económica. Até nisto os timorenses são parecidos com os portugueses: acreditam no futuro desde que haja a perspectiva de "choverem" uns milhõezitos, uma enxurrada milagrosa que venha lavar a miséria das ruas e por os pobrezinhos a brilhar com telemóveis novos e governantes que se deslocam em veículos topo de gama.

É aí que se enganam Xanana, e Barroso, e Sócrates e todas as almas enfatuadas que governam este mundo (e parte do outro). Um futuro melhor não tem unicamente por base milhões de euros nem de dólares. Um futuro melhor só poderá ter por base cidadãos mais inteligentes, melhor informados e com uma perspectiva humanista. Claro que isto é uma Utopia. Mas é uma Utopia em nome da qual vale a pena tentar mudar o mundo.

6 comentários:

Beto Canales disse...

Quase da pra resumir em educação.
Essa utopia chama-se educação.

Silvares disse...

Sim, poderíamos resumir dessa forma. Mas devemos ter presente que não se consegue ensinar nada a quem não tiver vontade de aprender.

Alice Salles disse...

Silvares, estou contigo e não largo...

Beto Canales disse...

É verdade. Mas deveríamos ter obrigação de ensinar a quem quer. Aqui, no nosso querido e caliente terceiro mundo, mesmo os que querem, na maioria das vezes, não tem oportunidades... Mas concordo com vocês dois...

Rini Luyks disse...

Senti, como estrangeiro em Portugal, sempre uma grande ambiguidade em relação ao tema Timor e acho muito bem que o jornalista Pedro Rosa Mendes acaba com este tabu e chama as coisas pelos nomes. Herói da resistência (com todo o mérito, mas fraco como presidente que não soube discursar) Xanana Gusmão, prémios Nobel para Ramos Horta e o bispo Dom Ximenes Belo, apoio de artistas famosos (canção "Timor" de Luís Represas): o que é que o povo timorense ganhou com isso? Qualquer distúrbio interno e apareçem logo as tropas australianas como salvadores. Será que o petróleo no território timorense não tem nada a ver com isso!?
Uma hipocrisia total!

Silvares disse...

Alice, o mundo em que vivemos começa em nós próprios. Somos a fronteira e vivemos dos dois lados!

Beto, ouvi dizer que não se consegue ensinar nada a quem não quer aprender. Primeiro é necessário despertar a vontade de aprender. Depois, a aprendizagem tem uma grande dose de criatividade e descoberta por parte dos intervenientes.

Rini, também eu andei nas ruas quando a questão de Timor inflamou os sonhos que então se sonhavam aqui em Portugal. Foi um movimento verdadeiramente romântico, com os sonhos nacionalistas e o direito à História que caracterizaram o Romantismo no século XIX. Quando a independência chegou a Timor todos chorámos lágrimas de uma doçura reconfortante e... pronto, voltámos à vidinha da nossa sociedade capitalista e consumista. Ponto final. A realidade é bem mais dura e o povo timorense tem uma visão do (seu) mundo que não encaixa nas letras das canções. E não me consta que os australianos estejam muito interessados em poesia nem em sonhos de grandeza humana.