terça-feira, setembro 16, 2008

Ontem


A palavra "solidariedade" não passa de isso mesmo; é uma palavra. Como tal ela ressoa no espaço quando a dizemos, ecoa nos nossos corpos, bem fundo no interior da caverna craniana. O que surge lá no fundo do nosso ser quando a ouvimos, isso é o mais complicado de explicar.

Por ser uma palavra, corre o risco de nada significar, de se tornar banal, uma coisa bonita para mostrar, como uma florzinha na lapela ou uma foto de família sorridente guardada na carteira. "Está a ver? Essa é a minha filha e aquela a minha mulher. Não são lindas?" São lindas? São maravilhosas, caramba! São, de longe, o melhor que o mundo foi capaz de me proporcionar. Mas a experiência de tanta felicidade é tão completa e individual que estou a falar de uma beleza que é só minha. Não há a mínima possibilidade de passar isso a outra pessoa por muito que essa pessoa me possa confortar afirmando que "São muito bonitas." Claro que são muito bonitas! Eu sei, estou seguro disso, amo-as tanto que nem sequer sinto o elogio, estou longe, não o ouço.

A imagem que ontem postei, "Sólido e solidário" tem um significado profundo no meu íntimo. Um significado que ainda não fui capaz de sintetizar na totalidade. Cada leitura que foi proposta pelos visitantes nos respectivos comentários é um reflexo dessa imagem. Ela funciona como um espelho onde cada um vê aquilo que tem dentro de si ou aquilo que o mundo, num determinado momento, parece significar, potenciado pela leitura da imagem.
Eu tenho a minha leitura. Nada me garante que seja a leitura correcta. Na verdade não acredito que exista uma leitura correcta. Existem tantas leituras correctas quanto as que forem feitas com honestidade. A leitura de uma imagem é uma questão pessoal, uma coisa que depende mais do leitor que do criador da imagem.
Acredito que esta é a essência da arte enquanto processo e meio de comunicação. O criador solta imagens nesse mundo e elas tornam-se coisas selvagens e tão livres... elas transformam-se naquilo que oferecem a quem as vê. Isso é beleza. Mesmo que possa não parecer.

9 comentários:

Anónimo disse...

Concordo!
E tenho certeza de que frustrou quem queria uma definição exata e precisa do criador!


Acontece!

Forte abraço

Silvares disse...

Eduardo, você compreendeu a coisa perfeitamente. Está registado no Carapau Staline! Obrigado pela disponibilidade que revela para tentar encontrar um sentido nas imagens. Agradeço em nome de um mundo mais... solidário!
:-)

Beto Canales disse...

E mais: se olharmos pra uma mesma pedra posta em um gramado, eu posso ver uma coisa e você outra completamente diferente, apasar do gramado e da pedra serem o mesmo.
O que um artista faz não é o que os outros vêem. Sorte nossa.
Parabéns, Silvares, por estes posts.

Jorge Pinheiro disse...

Também concordo. Maso autor tem, teoricamente, uma base expressionista, mesmo que subconsciente.

Silvares disse...

Beto, há uma dimensão individual que determina a leitura da realidade. Isso é um facto. Mas a realidade, em princípio, é uma só. Isso será outro facto. Daí que se trone algo complexo definir "a" realidade.
Obrigado.

O autor pode não ter uma ideia definida à partida, pode estar a procurar, ele próprio, um sentido para o resultado do seu trabalho. Muitas vezes (como neste caso) o significado último, se é que isso existe, da imagem criada só vai ganhando contornos mais definidos "a posteriori".

Ví Leardi disse...

Levo-te ...em parte...

Silvares disse...

????

Claire-Françoise Fressynet disse...

Olá Silvares, já me aconteceu ver uma imagem, estar a anos luz daquilo que o autor me (nos) quer mostrar, com palavras ser orientada e descobrir que o que ele mostra é genial, muito melhor do que estava a ver.
(escrever é tortura ;-) com língua de fora )

Silvares disse...

Claire, as imagens são mundos infinitos que os nossos olhos mal alcançam. Mas já o nosso cérebro...