sexta-feira, abril 18, 2008

A propósito dessa coisa que é a língua portuguesa


"Silvares, e para nós aqui, vocês falarem que nossa lingua é "brasileiro" ou que palavras ou expressões são em brasileiro, nos soa muito curioso, pois temos para nós que NOSSA língua é o Português! ~C;-))"
Este comentário do Eduardo Lunardelli a um post aqui mais abaixo (Good Feelings) fez-me acordar. Realmente não me lembro de alguma vez me ter referido à língua falada no Brasil como sendo Português. Brasileiro ou, na melhor das hipóteses, Português do Brasil, são formas de referir a língua falada naquele país, o que mostra uma certa distância que não é apenas marcada pelo Oceano Atlântico.
Como sou professor e gosto de perceber o que vai na alma dos meus alunos em relação ao mundo que nos rodeia, lancei, assim como quem não quer a coisa, a questão do acordo ortográfico no início de uma aula. Qual não foi o meu espanto ao perceber que o "problema", para os que resolveram dar a sua opinião, se prende com a propriedade da língua. Ou seja, argumentava uma rapariga de 17 anos que não podia aceitar modificações na ortografia do português que fossem impostas na aplicação do acordo pela simples razão de que quem fala Português somos nós, em Portugal, e não os brasileiros, lá do outro lado do mar oceano. Quando muito aceitaria uma alteração que implicasse uma aproximação que não mudasse o que quer que fosse na ortografia praticada cá deste lado. Os brasileiros que escrevam as consoantes mudas, tentem perceber a acentuação praticada pelo pessoal e mais nada! Chiça, fiquei espantado com tanta suave agressividade, a rapariga é verdadeiramente ciosa da "sua" propriedade linguística.
Um aqui, outro ali, as opiniões não divergiam muito. Estranho, pensava que houvesse maior abertura de espírito nesta questão.
Outro pormenor que incomoda é que, quando se fala neste acordo ortográfico, a questão é colocada entre Portugal e o Brasil, esquecendo frequentemente que o mundo lusófono é muito mais vasto e tem aquelas bandeirinhas todas que rodam aí em cima e que essas bandeirinhas representam uns quantos milhões mais de falantes em todos os cantos do planeta. Que lêem, escrevem e falam português sem pensarem muito na propriedade das palavras que lhes saem da boca.
"A minha pátria é a língua portuguesa". Com ou sem acordo ortográfico.

14 comentários:

Anónimo disse...

Muito curiosa esta sua postagem. Ao contrário, aqui no Brasil quando alguém DESAVISADAMENTE ( por ignorância) diz que "se fala brasileiro", é rápidamente corrigido: "nossa língua é o Português, e não existe lingua brasileiro", mas lingua dos brasileiros....
Vou levasr para o Varal mais este texto para colher mais comentários e confronta-los!
Obrigado amigo Silvares!

Anónimo disse...

Silvares,

já esta lá! Achei importante postar ainda hoje para não esfriar o debate!

Silvares disse...

Não sei o que se passa aí no Brasil mas, por estes lados, volta a discutir-se o assunto.

Anónimo disse...

Oi Rui, me deixa parabenizar você pela iniciativa de questionar os teus alunos sobre o tema do acordo ortográfico.
Não me admiro muito dos sinais que colheste, isto é, o sentido exacerbado de posse. Sinal dos tempos. E preocupa-me mais o sinal do que o acordo si.
Quanto a esse, concordo em geral, com os desabafos que vais tendo sobre o assunto aqui no 100 cabeças.
No que concerne à língua, sou um tanto neo-liberal, deixem o mercado resolver a situação, que há-de existir uma mão invisível, a guiar a língua no caminho certo.
No que diz respeito ao “português do Brasil” parece-me generalizada a percepção de que é “brasileiro”, e ainda que não seja outra língua e se entenda bem a sua escrita, não deixa de introduzir alguns atritos, que me fazem preferir a “tradução” em português cá do sítio, o que naturalmente deve suceder em sentido oposto, com a maioria dos brasileiros.
Um abraço.
Não sei se sabes que o Acercadanoite fechou, e mais importante, deve reabrir amanhã.
Tudo isto, só para te perguntar quando é que apareces para bebermos um copo?

Isabel Filipe disse...

""A minha pátria é a língua portuguesa". Com ou sem acordo ortográfico. "....


mas eu não estou nada de acordo com este acordo ortográfico ...

nunca irei escrever doutro modo ...


bjs

Silvares disse...

Albino, dizes bem, se há alguma possibilidade de me sentir neo-liberal em relação a alguma coisa é nesta questão. ouvi falar desse mini-desastre que foi o fecho do Acercadanoite. Pelos vistos Deus não tem dormido e vai reabrir. Haja fé, um dia destes apareço por lá.

Isabel, o acordo vá em frente ou fique onde está dificilmente irá obrigar-nos a alterer a nossa ortografia. Também não sinto capacidade para me entusiasmar com ele ao ponto de alterar a minha escrita. É coisa para ter efeitos num futuro mais ou menos próximo. Vai "apanhar" os mais jovens, caso vingue. Mas, mais dia menos dia, alguma coisa terá de mudar. É a ordem natural.

Anónimo disse...

Só os brasileiros ignorantes lambedores de bolas de portugas continuam achando que no Brasil se fala português. Minha língua é brasileira e nunca será portuguesa.

Anónimo disse...

-"Lambedores de bolas de"?
Ora aí está uma expressão que não conhecia e achei engraçada...
:)

A língua do José tá precisando de pimenta :)

Anónimo disse...

eu vio hoje a escrever no seu blog na biblioteca!!!
LOL

Silvares disse...

Meu caro José de Alencar, no seu comentário está contida uma curiosa afirmação de diferença. Como faz notar a Alice no comentário seguinte, "lambedor de bolas" parece-nos uma expressão curiosa pois em português usa-se "lambedor de botas". Daí ela pensar que você está precisando de pimenta na língua... que bolas são essas José? :-)
Quanto ao sentido do seu comentário, onde coloca os portugueses que, como eu, não vêem problema no acordo? Seremos lambedores do que quer que seja dos brasileiros?

Alice, pimenta na língua? Estás a ser maldosa... talvez o José fale em bolas por haver muitos jogadores de futebol brasileiros nas equipas portuguesas!

Caro(a) anónimo(a) aí está uma coisinha que nem o acordo prevê. "Vio"? Com ou sem acordo deverá escrever sempre "vi-o". Lol.

Anónimo disse...

A Língua portuguesa está a passar por um período de implantação, quer nos países Africanos de Língua Portuguesa, quer em Timor Leste. Na Guiné-Bissau esteve até para ser adoptado o Francês como língua oficial e em Timor-Leste o Inglês. Daí será fácil concluir que a língua portuguesa nas nossas ex-colónias não ficou muito bem cimentada. Esses países já não são colónias portuguesas, são livres e tanto poderão seguir o português falado em Portugal, por 10 milhões de habitantes, como o português falado no Brasil, por 220 milhões.

A teoria de Darwin é mesmo verdadeira e Portugal, se teimar em não se aproximar da versão de português do Brasil sujeita-se a ficar só e, mesmo assim, não vai conseguir manter a pureza da língua porque ela evolui todos os dias, independentemente da questão que agora se nos põe: todos os dias há termos que caem em desuso e outros novos que são adoptados pela nossa língua, em especial termos ingleses que são adoptados sem quaisquer modificações.

Se não houver aproximações sucessivas ambas as versões do português continuarão a divergir e daqui a algumas gerações serão línguas completamente distintas. Será então a altura de Portugal confirmar que saiu a perder porque ficou agarrado a um tabu que não conseguiu ultrapassar.

O Brasil tem um impacto muito maior no mundo do que Portugal, dada a sua dimensão, população e poderio económico que em breve irá ter. O nosso português tem hoje algum peso muito em função dos novos países africanos PALOPs ) e de Timor Leste, mas ninguém garante que esses países não venham um dia a aproximar o seu português da versão brasileira e há até já alguns sinais nesse sentido. A população do Brasil permite altas tiragens das publicações que ficarão mais baratas e, se houver maior harmonização, as editoras portuguesas (e amanhã dos PALOPs ) poderão vender mais no Brasil.

Se Portugal permanecer imutável um dia poderá ficar só: a língua portuguesa de Portugal será então considerada uma respeitável língua antiga (o Grego é ainda mais), da qual derivou uma outra falada e escrita por centenas de milhões de habitantes neste planeta. O nosso orgulho ficar-se-á por aí e pronto!

Ambas as versões de português têm uma raiz comum e divergem há apenas cerca de 250 anos. Outros tantos anos a divergir e já não nos entenderemos, terão que ser consideradas duas línguas.

O acordo ortográfico é uma decisão apenas política que os técnicos terão depois que assimilar e seguir. Por exemplo: não se poderá alterar por decreto que uma molécula de água passa a ter dois átomos de oxigénio e outros dois de hidrogénio; ou que 5 vezes 5 passa a ser 28, em vez de 25. Mas por decreto pode alterar-se a grafia de "acção" para "ação" e quem não o aceitar passa a cometer um erro.

Portugal nada ganhará de imediato, mas tem muito a perder no futuro se rejeitar agora o acordo que o Brasil está disposto a aceitar.



Zé da Burra o Alentejano

Anónimo disse...

Concordo plenamente.
Dificil será convencer as alunas do Silvares...

Silvares disse...

Zé da Burra, quem fala assim não é gago. De acordo, no essencial, embora eu pense que a coisa é menos interesseira e possa ser encarada de uma forma mais libertária. Reclamo o direito de escrever como bem me aprouver. Com esta conversa toda os meus ímpetos radicalistas vão ganhando fôlego. Se tiver que ser um pirata da língua portuguesa sê-lo-ei sem precisar sequer de uma perna-de-pau. Bastar-me-à a cara de mau!
:-)
Eduardo, as minhas alunas ainda não alcançaram o estado de autonomia ortográfica que lhes permita compreender os horizontes maravilhosos da liberdade na escrita... eheheheh, isto soa a programa político!

Anónimo disse...

Não concordo que falamos a mesma língua.

O português e o Brasileiro são dois idiomas distintos tanto que pra maioria absoluta dos brasileiros é impossível entender um português. Eu falo brasileiro. Não considero o português como MEU idioma. As línguas faladas nos dois lados do atlântico divergiram seguindo um processo de evolução completamente diferente e separado. Vários lingüistas defendem a separação de nosso idioma, escritores como Mário de Andrade, José de Alencar, Oswald de Andrade etc defenderam a língua brasileira. O português e o brasileiro na fonética, no léxico, na morfologia são basicamente opostos.
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"A lei da evolução, de Darwin, estabelece que duas populações de uma espécie, se isoladas geograficamente, separam-se em duas espécies. A regra vale para a Lingüística. "Está em gestação uma nova língua: o brasileiro", afirma Ataliba de Castilho. Há quem seja ainda mais assertivo. "Não tenho dúvida de que falamos brasileiro, e não português", diz Kanavillil Rajagopalan, especialista em Política Lingüística da Unicamp. "Digo mais: as diferenças entre o português e o brasileiro são maiores do que as existentes entre o hindi, um idioma indiano, e o hurdu, falado no Paquistão, duas línguas aceitas como distintas." Kanavillil nasceu na Índia e domina os dois idiomas."
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/21/falamos-a-lingua-de-cabral/
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"No meu modo de ver as coisas, já é possível considerar o português do Brasil como uma língua românica de status igual ao do francês, do italiano, do espanhol etc.[…] Nenhuma língua, enquanto tiver gente falando ela, pode resistir às mudanças que ocorrem em suas estruturas com o tempo. Assim, passados 500 anos, tanto a língua de cá quanto a língua de lá se modificaram, cada uma delas numa direção, exibindo diferenças nessas mudanças, fazendo opções diferentes, escolhas diferentes. E a tendência, como indica o desenho, é à diferenciação sempre maior com o decorrer do tempo." Marcos Bagno -lingüista
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/25/de-%E2%80%9Cque-pais-que-povo-que-lingua%E2%80%9D/
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"O português e o 'vernáculo'(a língua falada pelos brasileiros) são, é claro, línguas muito parecidas. Mas não são em absoluto idênticas. Ninguém nunca tentou fazer uma avaliação abrangente de suas diferenças; mas eu suspeito que são tão diferentes quanto o português e o espanhol, ou quanto o dinamarquês e o norueguês. Isto é, poderiam ser consideradas línguas distintas, se ambas fossem línguas de civilização e oficialmente reconhecidas." Mário Perini-lingüista http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/20/as-duas-linguas-do-brasil/
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"É uma violência inútil ajeitar-se uma idéia a um molde inadequado que a comprime, que a machuca, que a deforma, somente porque esse molde assentava bem a essa idéia há 100 anos passados.É martírio para a mocidade que aprende e humilhação para o mestre inteligente que ensina, esse bilingüismo dentro de um só idioma – essa unidade exterior, de superfície, de duas línguas que se repelem, a língua que falamos e a língua que escrevemos. [...]Nós, no Brasil, presos à gramática "portuguesa", somos vítimas de uma desintegração dolorosa de nós mesmos. [...]A língua brasileira, já ninguém discute isso, diverge da portuguesa;" Mário Marroquim-lingüista
http://brasiliano.wordpress.com/2008/09/01/ensinar-portugues-ou-estudar-o-brasileiro/
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Sabe aquela história de que falamos português? Pois bem, segundo o lingüista Nicolau Leite, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo aquilo não passa de nhenhenhém. Como nossa língua pode ser portuguesa se ela é formada por 30 000 vocábulos indígenas e mais de 3 000 palavras trazidas pelos escravos africanos do tronco banto? Nicolau Leite acha que nosso idioma é mesmo o brasileiro e que é absurdo tentar unificar as línguas com normatizações. O português, no fundo, foi só a casa de fundação da nossa língua, que recebeu e continua recebendo influências de todos os lados, afirma.
http://brasiliano.wordpress.com/2008/04/19/lingua-do-brasil/
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"Assim como o Português saiu do Latim, pela corrupção popular desta língua, o Brasileiro esta saindo do Português. O processo formador é o mesmo: corrupção da língua mãe." Monteiro Lobato
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A nossa gramática não pode ser inteiramente a mesma dos portugueses. As diferenciações regionais reclamam estilo e método diversos. A verdade é que, corrigindo-nos, estamos de fato a mutilar idéias e sentimentos que nos são pessoais. Já não é a língua que apuramos, é o nosso espírito que sujeitamos a servilismo inexplicável. Falar diferentemente não é falar errado. A fisionomia dos filhos não é a aberração teratológica da fisionomia paterna. Na linguagem como na natureza, não há igualdades absolutas; não há, pois, expressões diferentes que não correspondam também a idéias ou a sentimentos diferentes. Trocar um vocábulo, uma inflexão nossa por outra de Coimbra é alterar o valor de ambos a preço de uniformidades artificiosas e enganadoras. (1921: 8-9) João Ribeiro -lingüista http://brasiliano.wordpress.com/2008/09/01/ensinar-portugues-ou-estudar-o-brasileiro/